quarta-feira, 20 de maio de 2009

Por uma vida menos eleitoreira


Exceto em Utopia, o país inventado por Thomas Morus (1480-1535), onde o povo recebia o melhor de um governo perfeito, é compreensível que os processos eleitorais realizados a cada dois anos afetem de alguma forma a sociedade. No entanto, o que se tem verificado é que a escolha bienal de ocupantes de cargos públicos fez com que o cotidiano acabasse conduzido permanentemente pelos humores eleitoreiros.

Em qualquer esfera, os que fazem da política uma atividade profissional estão sempre envolvidos com as eleições. Seja na preparação para um próximo pleito, seja na disputa em torno de uma votação presente, seja nas explicações ou acusações a respeito do resultado de um sufrágio acontecido. Situações essas que terminam contaminando todo o período de 24 meses que intercala a ida dos cidadãos às urnas.

A consequência direta é o inevitável envolvimento da sociedade com o emaranhado de questões que surgem a cada momento. De onde veio o dinheiro da campanha? Que reforma política será feita? Qual é a eleição que está sendo investigada agora? Quando começa a próxima comissão de inquérito? Quem está batendo boca com quem?

Os processos eleitorais deixaram de ser meios para a seleção de condutores do desenvolvimento social. Eles são fins em si mesmos. O mundo real é substituído pela vida eleitoreira. Não são mais as ideologias ou programas partidários que determinam as ações dos detentores de mandatos, mas sim os posicionamentos e decisões que maiores vantagens podem trazer em um pleito futuro.

Como resultado, as razões principais pelas quais parlamentares e governantes deveriam ser escolhidos ficam em um segundo plano. Ao contrário de se organizarem para proporcionar as mais completas condições para a população, os políticos tendem a utilizar os cargos públicos na captação de votos para a eleição seguinte. Do cabide de emprego à farra das passagens aéreas. E as políticas de verdade que se lixem!

O problema não são as eleições a cada dois anos. A grande dificuldade está em separar o momento do sufrágio do que realmente importa: o bem-estar social. Talvez seja preciso encontrar uma solução para o fato de a política ter virado um ofício como outro qualquer. Ou, ao menos, que esses “profissionais” permitam que a vida de todos seja menos eleitoreira. Como? Trabalhando, ora!

* Publicado em Zero Hora, 20 de maio de 2009.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Tudo será ouvido


A audição é o sentido da moda. Para bem ou para mal, todos parecem dispostos a escutar. Tanto na esfera privada quanto na pública há investimentos na criação de serviços de ouvidoria. A ideia é que clientes e contribuintes acreditem que suas opiniões, sugestões e reclamações estão sendo levadas em conta pelas empresas e pelo governo.

Por outro lado, quase toda investigação, legal ou ilegal, tem nas interceptações telefônicas o seu foco principal. E a repercussão das escutas que atingem políticos e grandes empresários se transformou em debate nacional. Por exemplo, a presença permanente desse tema nas manchetes fez da chamada CPI dos Grampos, instalada na Câmara de Deputados desde dezembro de 2007, um processo interminável que ainda não conseguiu apresentar o seu relatório final.

Além disso, tem sido comum o uso de gravadores escondidos para capturar diálogos comprometedores tanto por pessoas que querem proteger-se quanto pelas que desejam incriminar alguém.

Nesse contexto, a famosa frase de Andy Warhol de que todos teriam no futuro quinze minutos de fama deve ser interpretada de outra maneira. Em breve, todos terão algumas horas de suas conversas registradas de forma secreta. Seja por algum órgão público para apuração de um delito ou por criminosos com objetivo de chantagem mesmo.

Falando em notoriedade, uma das penúltimas formas de medir o status de alguém era pelo número de celulares que a pessoa tinha. Isso é passado. Agora o que interessa é a quantidade de grampos que ela sofre. Toda vez que isso vaza para o noticiário acaba tornando o sujeito gravado em celebridade instantânea. O espaço é tão amplo que junto seguem para o estrelato os citados na conversa e o araponga de plantão.

Como qualquer assunto em voga, as escutas clandestinas são matérias obrigatórias para a imprensa. As revistas semanais estão construindo suas tiragens com esse tipo de reportagem. A mais famosa delas um dia ainda vai mudar de nome. De Veja para Ouça.. Aliás, por que não anexar um CD de brinde em cada edição? Não seria mais divertida a audição do batepapo dos outros do que apenas a leitura?

A realidade é que hoje basta ouvir para crer. No entanto, há quem não queira escutar o que se está dizendo por aí. Esse é um direito que qualquer bom ouvidor respeitará. Afinal de contas, aquele que não concorda com algo é livre para dar suas opiniões, colocar suas sugestões e fazer suas reclamações. Por isso, não se preocupe. Fale. Tenha certeza de que tudo será ouvido.

* Publicado no Diário de Canoas, na Gazeta do Sul e no Jornal NH, 12 de maio, no Agora de Rio Grande, 13 de maio, e no Correio de Gravataí, 18 de maio de 2009.