sexta-feira, 10 de maio de 2019

Queda de homicídios: razões e paixões

Brasil registra queda de 25% nos assassinatos nos dois primeiros meses do ano. É o que aponta o Monitor da Violência do portal G1 sobre a diminuição de homicídios em todo país, exceto no Amazonas e Rondônia (Paraná não forneceu dados). O Nordeste teve as principais reduções. A maior foi no Ceará, 58%, apesar do conflito entre Estado e facções criminosas no início do ano.

Quais são as causas? Nesse momento, razões e paixões sobre o assunto são despertadas em torno dos direitos fundamentais mobilizados: vida e liberdade. Qualquer análise feita hoje será inferior à que se fará no futuro com distanciamento. Porém, há aspectos a serem ponderados. O tráfico de drogas está no cerne do aumento de homicídios há mais de uma década. Observado o problema, diversos projetos, planos e pactos foram tentados, o que explicaria em conjunto a colheita de resultados agora.

Dentre essas ações se destacam a melhoria da atuação policial e o encarceramento. A primeira é aceita com racionalidade por especialistas e varia da retomada dos contingentes policiais até o uso de ferramentas de inteligência. Já a segunda move paixões porque trata da liberdade de pessoas. Todavia, estatísticas em nível mundial demonstram que mais indivíduos com potencial de delinquir presos ajuda a reduzir a criminalidade. Isso não apaga outros lados da questão: em que condições são mantidos e a reabilitação deles.

Além disso, o custo dos homicídios para o tráfico deve ser considerado. Quando há reação do Estado, fica mais caro para o negócio. Será que as facções entenderam que menos é mais? Reduzindo a violência, a intervenção policial se amena, enfrentamentos e despesas diminuem. E no IBGE se acha outra explicação. A população brasileira está envelhecendo. Em todos os lugares do mundo isso contribuiu para a queda dos crimes contra vida. Quem olha para o espelho e mira cabelos brancos costuma agir com mais razão, enquanto o impulso assassino é passional, próprio de hormônios em ebulição.

* Publicado no Facebook e LinkedIn, 10 de maio de 2019.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

O buraco é mais embaixo

A primeira imagem de um buraco negro foi um dos eventos científicos mais adulados dos últimos tempos. Como se diz, um grande feito para a humanidade. Mas na sua esquina também tem outro buraco, um no meio da rua que lhe atrapalha a rotina. Nada mais humano que o incômodo que ele lhe causa. Entre o sentimento de grandiosidade relativo ao que a ciência alcançou e o da amolação gerada pelo não atendimento pelo poder público de uma necessidade da vida urbana, estamos todos nós.

Descobrir que a luz realmente se dobra em uma região do espaço que apresenta um campo gravitacional do qual nada escapa é belo. É emocionante até, mesmo que isso tenha ocorrido há mais de 50 milhões de anos-luz de distância, considerando-se uma viagem a 300 mil quilômetros por segundo. Afinal, é o início da comprovação de uma teoria que tem mais de 200 anos. Das estrelas negras do inglês John Michell, em 1783, passando pela Teoria da Relatividade de Einstein, em 1915, até a fotografia recente de 10 de abril.

No entanto, tudo isso em nada muda a chateação do pneu que furou ao passar por aquele espaço aberto no asfalto. Nem a importunação do solavanco que a solução de continuidade na via pública provoca. Muito menos a irritação do pedestre no dia de chuva, quando a água da poça formada pelo buraco da rua lhe dá um banho provocado por um motorista no mínimo desatento à situação.

Não se trata de diminuir o acontecimento científico, nem maximizar um problema urbano. Como disse Terêncio, no segundo século antes de Cristo, “sou humano, nada do que é humano me é estranho”. Os anseios da humanidade convivem em todos níveis e em proporções variáveis. Cada um sabe o que mais lhe move a cada momento.

Viva! Já temos imagens de um buraco negro. Diabos, ninguém fecha aquela cratera da minha rua. Um fato não invalida o outro. As coisas nunca são tão simples quanto parecem. Ou seja, o buraco é sempre mais embaixo.

* Publicado no Facebook, 26 de abril de 2019.

A Era do Transtrabalho


Em 2016, Klaus Schwab publicou a obra A Quarta Revolução Industrial. Fundador do Fórum Econômico Mundial, Schwab diz que estamos em um período de mudanças de como vivemos e trabalhamos, diferente de tudo o que houve antes. Em relação às profissões, isto parece não ter um conceito definido fora o usual 4.0 ao lado da definição tradicional. Pois creio que podemos falar em Era do Transtrabalho.

Primeiro, porque está associada à transformação, transmutação, transfiguração. Depois, atualmente o que parece e é tem sido chamado de cis, enquanto, em oposição, trans é reservado a um universo amplo de situações que já não são o que eram. Logo, o transtrabalho reuniria desde atividades que não eram profissões e agora viraram até serviços que não são mais empregos, além de ocupações antes restritas em tempo e espaço que não têm mais esses limites.

O elemento catalisador dessas metamorfoses é a convergência de tecnologias. Robótica, inteligência artificial, big data, máquinas que aprendem, virtualização. Cada vez mais a origem semântica de trabalho perde sentido. Em latim, tripalium, instrumento de tortura, podendo também ser entendido como aquilo que causa dor ou fadiga. Com a redução de oportunidades, o ser humano, que para Kant era o único animal voltado ao trabalho, ruma para se juntar ao resto da fauna.

Entre o que sobra nestes tempos, a ferramenta básica é o celular. Ele estendeu a jornada para sete vezes 24 horas e rompeu as paredes da firma, agora reduzidas ao bolso ou à bolsa. Logo, o profissional símbolo deste momento é o trabalhador de aplicativo: motorista, locador, entregador etc., conforme a serviço do que ou de quem estiver. Mas também se incluem youtubers, atletas de e-sports, apostadores, influenciadores... Enfim, o que possa ser feito com um dispositivo móvel e gere renda. Aliás, essa é uma das poucas coisas que não mudaram. Cistrabalho ou transtrabalho ainda são uma necessidade humana para obtenção de recursos para sobrevivência. Mas até quando?

* Publicado em Zero Hora, 1º de maio de 2019.