quinta-feira, 26 de março de 2009

Os "dipones" do Senado


Todo mundo já ouviu falar dos aspones, os assessores de porcaria nenhuma. Pois no Senado Federal foram promovidos a diretor. Semana passada, o país tomou ciência de que eles chegaram a ser 181. Em um surto moralizador, o presidente daquela casa parlamentar determinou a dispensa deles. Depois exonerou só 50. Por ora eles são 131. Enquanto se aguarda uma reforma administrativa elaborada por alguma consultoria muito bem remunerada, o estranhamento maior ficou por conta do processo de conta-gotas por meio do qual se teve noção do nome das diretorias. Quem tinha a lista completa não estava muito disposto a informar.

No momento é impossível não tentar imaginar que diretorias podem existir nesse emaranhado de repartições. Para começar segue a sugestão de uma fonte anônima: a Secretaria do Jeitinho. A partir de uma lógica de eficiência, um cidadão que desejasse alguma benesse particular poderia preencher o formulário apropriado e encaminhar seu requerimento para o oficial do Jeitinho. De forma diligente, o diretor expediria um memorando urgente para o parlamentar mais adequado ao pleito. Contudo, pensar isso seria um exagero até para o Senado.

Que tal então a diretoria de Garantias do Plenário Vazio? Algumas pessoas que acompanham as transmissões da TV Senado comentam que próximo das entradas costuma ter um funcionário que talvez seja quem se certifique de que os senadores não irão à sessão do dia. Ou seja, os parlamentares só não comparecem por respeito às atribuições desse diretor. Em contrapartida haveria a Subsecretaria do Discurso para Plenário Vazio. Essa repartição acumularia funções, pois além de escrever o roteiro da oratória do escalado para falar às paredes, ainda se encarregaria de arranjar alguém para esse papel. Que trabalheira!

Refletindo um pouco mais sobre a questão, pode chegar-se à conclusão de que todas essas diretorias podem ser insuficientes. É bem possível que oficialmente a Diretoria de Porcaria Nenhuma esteja desocupada. Por isso cabe um aviso aos interessados. Esperem o próximo escândalo em outro órgão, quando o Senado poderá preencher essa imprescindível vaga sem que o grande público seja informado. Candidatos a “dipone”, aguardem!

* Publicado em O Informativo do Vale, 26 de março, no Diário Popular de Pelotas, 30 de março, e no Diário de Canoas, 31 de março de 2009.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Quem quer ser um miserável?


O vencedor do Oscar 2009 de melhor filme recebeu um título nacional que apela para o desejo de riqueza: "Quem quer ser um milionário?". Além desse anseio, pode-se supor que junto a ele esteja presente um sentimento assemelhado, porém menos glamoroso: a repulsa à pobreza. Em uma realidade penosa, a ambição muitas vezes nada mais é do que um plano de fuga. A partir da compreensão do longa metragem sob esse aspecto, talvez seja viável entender as posturas existentes no contexto brasileiro em relação a algumas situações de carência absoluta.

A aventura cinematográfica tem como cenário a Índia atual, onde se desenvolve a trajetória do jovem Jamal, de origem humilde e baixa escolaridade. Apesar de ter a orfandade e a exclusão como biografia, ele está prestes a ganhar milhões, porém precisa provar à polícia como adquiriu o conhecimento para responder as perguntas de um programa de tevê. Nesse panorama vai sendo apresentado um país diferente daquele que muitos já afirmaram um dia ser refratário à violência e ao crime devido a uma cultura de aceitação da miséria disseminada.

Enquanto na novela das nove é apresentada uma sociedade dividida em castas, cercada de superstições por todos os lados, na Índia do filme há tortura policial, favelas controladas por bandidos, chacinas, furtos para subsistência, prostituição infantil e homicídios. Mas, dentre o conjunto de delitos que perpassam o roteiro dessa história, nada supera em horror a exploração da mendicância de crianças. Meninas e meninos, além de sofrerem esse abuso moral, chegam a ser mutilados para maximizar os lucros. Por exemplo, seus opressores sabem que garotos cegos recebem esmolas maiores. Ou seja, a pobreza conjugada com a deficiência faz com que os turistas estrangeiros paguem mais para se sentirem aliviados em relação a essas desgraças.

A obra do diretor Danny Boyle apresenta as enfermidades sociais indianas, porém nelas se enxergam as do Brasil de hoje. Aqui a sociedade não costuma considerar a questão da exclusão como uma responsabilidade sua. Espera-se que os governos resolvam o problema. E se sabe que eles não estão resolvendo. De quando em quando se dá uma moedinha para os "trombadões" nos semáforos. A repulsa à pobreza tem disso. Para que a consciência fique menos pesada alguns centavos bastam. As pessoas seguem seus caminhos e os pedintes ficam ali com as migalhas.

O sentimento de aversão é mais que natural. Afinal de contas, quem deseja envolver-se com a indigência? Os mendigos daqui, da Índia e do resto das favelas do mundo também manteriam distância dela se pudessem. A verdade é que ninguém quer ser um miserável, mas para os excluídos essa opção nunca está entre as alternativas. Para eles, sempre faltam as respostas certas.

* Publicado em O Globo Online, 16 de março, em O Informativo do Vale, 18 de março, no Diário Popular de Pelotas, 20 de março, na Gazeta do Sul, 21 de março, e no Diário de Canoas, 25 de março de 2009.

A última ponta


Os resultados da pesquisa sobre os jovens e o fumo, encomendada pela Aliança de Controle do Tabagismo ao Datafolha, são surpreendentes de diversas maneiras. Os dados obtidos podem ser considerados notícias agradáveis e servem para confirmar uma tendência. Porém, do ponto de vista gaúcho, são um tanto decepcionantes.

Uma das boas novas é que 85% dos 560 jovens pesquisados, de ambos os sexos, são contrários ao fumo em ambientes fechados. Até entre os fumantes a maioria tem essa posição (63%). Realizado em seis capitais no final de 2008, o levantamento divulgado agora apresenta uma constante. Independente de sexo, faixa etária, cidade ou local freqüentado – bar, casa noturna, restaurante ou lanchonete, a maior parte dos entrevistados se posicionou a favor de espaços livres do cigarro. Ou seja, a juventude não quer ir a lugares enfumaçados.

Parece que as pessoas cansaram de serem fumantes passivas, de ficarem com as roupas e os cabelos fedendo, de pisarem em cinzas e tocos e até do eventual esbarrão com uma ponta de cigarro aceso. No entanto, o principal é que há uma nova postura contra a permissividade de atitudes que são prejudiciais à saúde de todos.

Em uma época em que se debatem o uso de drogas e restrições ao álcool, essa pesquisa ratifica a eficácia do combate integrado a um hábito nocivo, conforme propõe o Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O controle do tabagismo no Brasil tem combinado três sistemas regulatórios: o legal, o cultural e o moral. Ao mesmo tempo em que se estabelecem restrições progressivas ao ato de fumar, a sociedade exerce a fiscalização para que as leis funcionem e o costume em si se tornou depreciativo para quem o possui. Quando tudo isso acontece, o vício diminui. Se há êxito com o cigarro também poderia ser tentado com o álcool e outras drogas.

A comprovação desse fato está na revelação de que apenas 13% dos entrevistados fumam na faixa etária pesquisada de 12 a 22 anos. Quando segmentados por capitais, os números são iguais ou menores. A taxa é de 13% em São Paulo, 12% no Rio, 10% em Salvador e Belo Horizonte e 6% em Brasília. A surpresa desagradável fica por conta dos resultados de Porto Alegre, que apresentou o maior número de jovens fumantes: 28%. Com mais do que o dobro da média do levantamento, o percentual do vício entre os gaúchos não deixa de ser mais um sintoma da forma por vezes irracional como se resiste a mudanças nesse rincão.

Em uma ou duas gerações quando o fumo for apenas uma triste lembrança para o resto do país, aqui na nossa posição meridional seremos a última ponta acesa desse hábito que a maioria já não aprova. Logo, vale lembrar uma das campanhas antitabagistas e perguntar: quando vamos apagar essa ideia?

* Publicado no Correio de Gravataí, 16 de março de 2009.

terça-feira, 3 de março de 2009

Obscenidades cotidianas


A invasão da pornografia na arte e na mídia é o tema de uma mostra em Viena. O evento na capital austríaca é uma tentativa de lidar com algo que está presente em larga escala em qualquer coletividade, mas, quando não realizado em segredo, costuma causar escarcéu.

Na comparação com a realidade brasileira, pode-se dizer que a ocorrência dessa exposição seria inviável. Não há museu capaz de comportar o material disponível. O Brasil é um país em que nádegas abundam e mamilos despontam em profusão. Onde essa exibição é feita às claras e não requer espaço organizado ou programação antecipada.

Agora, ao considerar-se o sentido pleno em grego do que é pornô, fica mais explícita a impossibilidade brasileira de reunir em um único local toda a coleção existente. Falam-se aqui de obscenidades mais amplas como a indecência e a desonestidade. Destacam-se aí algumas das principais sem-vergonhices nacionais: a violência e a corrupção.

Em relação à primeira, verifica-se que ela tem frutificado mais do que os apelidos para dançarinas de funk. Há a bestialidade do crime e do trânsito. A crueldade nas escolas e nas famílias. A brutalidade no campo e na cidade. A fúria nos estádios. As agressões físicas e psicológicas. O ódio nas palavras e nos atos. Enfim, violência para todos os desgostos.

Já a corrupção, como precisa de segredo para evitar o flagrante, aproxima-se muito da pornografia no seu sentido original. E mais, como partes de um corpo que se desvenda sob tecidos transparentes, essa espécie de devassidão tem sido revelada ao público em porções cada vez maiores. Do “fora Collor” ao desabafo de Jarbas Vasconcelos, passando pelo escândalo do mensalão, a esperança é de que ainda se conseguirá pegar alguém com as calças nas mãos.

Passado o carnaval, época em que a invasão de nádegas e mamilos atinge o seu ápice, restam as demais bandalheiras. Depois de toda quarta-feira de cinzas, somos obrigados outra vez a acostumar-nos com a violência e a corrupção. Enquanto os austríacos vão a museus de arte contemporânea para perceber a penetração do pornô no seu dia-a-dia, nós brasileiros temos que conviver com as obscenidades cotidianas em todos os lugares. Na Áustria, a exposição é temporária. Aqui, a falta de decência e de honestidade tem sido permanente. Que tal começarmos a boicotá-las?

* Publicado em A Razão, 03 de março de 2009, na Gazeta do Sul e em O Correio de Cachoeira do Sul, 04 de março, e no Diário Popular de Pelotas, 10 de março de 2009.