terça-feira, 14 de abril de 2009

Falem sério, presidentes!


Há o que se pode falar em público e o que só é aceito no convívio privado. Apesar da trivialidade disso, vez por outra alguns caem na armadilha. Nos últimos tempos, dois conhecidos presidentes entraram nessa cilada.

Obama se tornou o primeiro presidente dos Estados Unidos em exercício a aparecer num programa de entretenimento na televisão. Ele concedeu uma entrevista para o humorista Jay Leno – um Jô Soares de lá. Descontraído, Barack tentou fazer uma piada. Ele associou a sua inabilidade no boliche com os Jogos Paraolímpicos.

O gracejo virou a gafe mais comentada até agora do atual presidente norte-americano. Ele se viu obrigado a formalizar um pedido de desculpas para os portadores de necessidades especiais, além de precisar demonstrar que não tem preconceito em relação a deficientes. Aliás, Barack apelou para algo que não deixa de ser parecido, na forma, com o que alguns costumam fazer em relação a negros como ele.

De resto, piadas deveriam ser proibidas nas manifestações de qualquer presidente. Apesar de todos se acharem os “caras”, isso nunca dá certo. George W. Bush cometeu tantas gafes que, reunidas, elas foram suficientes para gerar livros, filmes e programas de tevê.

Já Lula, em seus mais de seis anos de mandato, soma um enorme anedotário. E não se diga que isso tem a ver com sua pouca escolaridade, pois nem Fernando Henrique Cardoso, com todos os seus títulos acadêmicos, escapou de um ou outro papelão. Porém, Luiz Inácio mantém outra mania: a do improviso inconveniente. Foi assim que ele acabou dizendo que a crise mundial era culpa dos loiros de olhos azuis. Nada diferente do escreveu Michael Moore em seu livro “Stupid White Men”, mas politicamente incorreto quando vindo de um presidente de uma nação multiétnica.

Evitar fiascos é uma lição a ser aprendida pelos detentores de mandatos públicos. Até porque sempre tem alguém que enxerga outras intenções. Alguns dizem que, quando as gafes acontecem, na verdade está se tentando chamar a atenção para algo ridículo, evitando que se trate de coisas piores. Quem opta pela comédia por vezes apenas está querendo esconder uma tragédia. Por isso, seja falando ou trabalhando, o que todo povo quer de um presidente é seriedade. E que deixe as piadas para o Jay e para o Jô, os “caras” certos para isso.

* Publicado na Gazeta do Sul, 14 de abril, no Diário de Canoas, 15 de abril, em A Notícia de Joinville, 26 de abril, e em O Informativo do Vale, 27 de abril de 2009.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A ultraviolência


O livro Laranja Mecânica, de Anthony Burguess, escrito em 1962 e transformado em clássico do cinema nove anos depois por Stanley Kubrick, pegou emprestado seu título de uma expressão na qual a fruta automatizada representa tudo que é bizarro. A obra se caracteriza assim por tratar de um futuro peculiar no qual a juventude é adepta da ultraviolência. Roubam, espancam, estupram e até matam por puro deleite.

Pois o que era estranhamento no romance de Burguess se tornou realidade no Brasil e no mundo. Várias ocorrências atestam isso. São os massacres perpetrados por atiradores nos Estados Unidos e na Europa; os atentados praticados por terroristas suicidas em busca do paraíso e das virgens reservadas para eles; e as brigas agendadas pela internet entre torcidas organizadas ou adolescentes entediados. Também se enquadram os casos que envolvem grupos formados para prática de ódio racial. Ainda há um forte indício de ultraviolência nas agressões de alunos a professores e até mesmo de filhos aos pais. Enfim, a qualquer um que tenha por dever autoridade sobre eles.

A perda de referenciais do que é certo ou errado é uma característica da sociedade sombria do livro e do filme e da aldeia global em que vivemos. Sem paradigmas sólidos, tudo se resume à procura de prazeres fugazes. Todas as experiências passam a ter como regra o cometimento de abusos. E a brutalidade nas suas mais diversas manifestações não é exceção.

Percebida a presença da ultraviolência como denominador comum, o que se pode fazer? Em Laranja Mecânica, como obra ficcional que é, na qual tudo é possível, aparece como opção a lavagem cerebral. No mundo real, algo assim feriria tanto a condição humana quanto quaisquer das selvagerias citadas. No entanto, talvez seja viável entender o conceito de limpeza da mente de uma outra forma.

Se a ultraviolência está por aí, ela precisa ser enfrentada. Isso pode iniciar com um expurgo de preconceitos, acompanhado de uma depuração dos valores individualistas. E para completar a lavagem, dois fortes agentes limpadores do meio social: a infância protegida e a adolescência com limites. Porém isso tudo precisa acontecer já, antes que essas atitudes se tornem raras. Ou tão bizarras quanto uma laranja mecânica.

* Publicado em A Notícia de Joinville, 02 de abril, na Gazeta do Sul, 04 de abril, no Diário de Canoas e no Diário Popular de Pelotas, 06 de abril, e em O Informativo do Vale, 08 de abril de 2009.