quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A Abin está a serviço de quem?

Por força de uma presença negativa na mídia, alguns formadores de opinião têm perguntado para que, afinal de contas, serve a Abin? A questão é oportuna e conveniente. A Agência Brasileira de Inteligência tem sido envolvida em uma série de eventos que exigem explicações além do razoável para serem aceitas. No entanto, a despeito dos resultados práticos, as confusões para as quais a Agência foi arrastada não podem ser razões para que se conteste a necessidade dela do ponto de vista institucional.

Independente do nome do órgão, seja CIA, KGB ou SNI, toda nação politicamente organizada necessita que a atividade de inteligência seja desenvolvida como estratégia de defesa. No geral, são os serviços de inteligência que abastecem a administração pública com as informações que ela necessita para subsidiar seus atos decisórios.

A legislação federal que criou a Abin também explica a necessidade de inteligência nesses moldes: como a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

Logo, parece ser possível responder com tranqüilidade a pergunta inicial. A Abin serve para executar e coordenar a atividade de inteligência em prol de toda nação, ou como diz o seu lema, "em defesa do Brasil".

Em um quadro de normalidade, isso deveria bastar para a maioria da população. Todavia, saindo da letra impressa da lei e passando a realidade, surge uma outra questão ainda mais pertinente: a Abin que tem virado notícia está a serviço de quem mesmo?

Quando uma Agência que devia desenvolver um trabalho tão vital e, correntemente, sigiloso, passa a ocupar os noticiários, quase sempre em posição desconfortável, parece que suas ações, além de não serem tão secretas assim, também estão distorcidas em relação aos seus verdadeiros destinatários, ou seja, a sociedade e o Estado.

A resposta para esse outro questionamento precisa ser dada de forma rápida e objetiva para que a utilidade da Abin deixe de ser contestada.

Uma boa maneira para que isso ocorra seria o exercício da atividade de inteligência de acordo com os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, já que o da publicidade ela tem seguido muito mal. Quem sabe desse jeito a Abin serviria melhor ao país e a todos nós.

* Publicado em O Globo Online, 19 de novembro, na Gazeta do Sul, 21 de novembro, no Diário Popular de Pelotas, 23 de novembro, e no Diário de Canoas, 02 de dezembro de 2008.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Um centavo é caro

Não fazem mais promoções como antigamente. Houve uma época que bastava juntar tampinhas de refrigerante para trocar por ioiôs, copos ou miniaturas. Hoje, além de consumir um produto para reunir seus rótulos, sempre é necessário dar mais algum dinheiro para levar as quinquilharias ofertadas. Independente do sucesso que as campanhas atuais possam ter, mesmo que o valor a ser pago seja de um centavo, já é mais caro do que a gratuidade de outrora.

Um artigo recente de Chris Anderson, editor da revista Wired, especializada em tecnologia, trata sobre a tendência global para a Freeconomics, a economia do grátis. Os marqueteiros brasileiros precisam lê-lo. Enquanto o mundo percebe que o futuro dos negócios é usar a gratuidade como forma de inserção comercial, no Brasil ainda se prefere levar vantagem em tudo. Ou seja, aumenta-se a venda da mercadoria com o junte e ganhe e ainda se lucra com o preço fixado para o brinde.

É preciso abrir um parêntese aqui. Não é a toa que haja fábricas de salsicha sofrendo abalo com a valorização do dólar. A mesquinharia empresarial brasileira faz com que se desvie o foco do negócio na direção da especulação financeira. Essa distorção nos interesses comerciais se repete no caso das vendas casadas travestidas de promoções.

Falando em embutidos, uma das mais absurdas ações promocionais dos últimos tempos estava por esses dias em um encarte de uma rede de supermercados. Na compra de três peças de mortadela com quinhentos gramas cada, com mais um centavo, o cliente levava uma bisnaga de patê. Custando um cem avos de real o patê se tornou caríssimo, pois ele trazia consigo o preço de um quilo e meio de mortadela. Calcule a quantidade de sanduíches com pão seco (uma bisnaga não dá nem para o começo) que resultariam dessa compra. Quem come tanta mortadela assim? E se come, precisa muito mais do que um patêzinho.

Quem inventou essa promoção tentou agradar o chefe e o contador da empresa, mas esqueceu de quem realmente importa: o consumidor. Como lembra Anderson em seu artigo, custo zero é o que as pessoas querem e o que cada vez mais encontrarão. Ou, traduzindo para o vernáculo do brasileiro, de graça até injeção na testa e ônibus errado porque nessas situações, como no case do patê, um centavo também já seria caro.

* Publicado em A Razão e no Diário Popular de Pelotas, 11 de novembro, em O Correio de Cachoeira do Sul, 12 de novembro, no Diário de Canoas, 15 de novembro de 2008, e no Jornal NH, 10 de fevereiro de 2009.