segunda-feira, 31 de março de 2008

Novela americana

As telenovelas nos Estados Unidos costumam ter enredos infindáveis, permanecendo no ar durante anos, apenas renovando personagens. No Brasil, o mais parecido com isso é a Malhação da Globo. No momento, não há soap opera (como são chamadas lá) mais sensacional, emocionante e cheia de reviravoltas do que a política norte-americana.

O desenrolar eletrizante dos fatos acontece tanto entre protagonistas como também nos episódios que envolvem coadjuvantes. No cenário principal ocorre o embate entre Hillary Clinton e Barack Obama, que disputam prévia a prévia a indicação do Partido Democrata à presidência. Hillary iniciou como a estrela absoluta do espetáculo. Na seqüência, o papel e o ibope de Obama cresceram, passando a atrair todos os refletores. Esse é um script que ainda segue indefinido.

Porém, nada supera o núcleo Portelinha (é só barraco) de Nova York, onde tinha até cafetina brasileira. Primeiro, o então governador Eliot Spitzer, que fez carreira como promotor público com redes de prostituição entre seus alvos, teve flagrado seu envolvimento com meretrizes de luxo. Só lhe restou renunciar como recurso melodramático mais adequado ao padrão moralista norte-americano. Completando a trama romanesca, surge o seu vice, David Paterson, cego e negro.

Não bastaram as características pessoais inéditas do "ator". No dia seguinte à sua estréia oficial, Paterson declarou já ter sido adúltero. A sua confissão superou na originalidade até a de Bill Clinton, antigo astro dessa opereta. Além de assumir a traição, ele reconheceu que sua mulher também teve casos extraconjugais. Essa admissão ocorreu em entrevista coletiva com o casal lado a lado. E, recentemente, ele também narrou suas experiências com drogas na juventude.

A política nos Estados Unidos se consolida como uma verdadeira novela. Acompanhar os noticiários internacionais se assemelha à leitura das revistas de fofocas. São tantas situações típicas de folhetim que qualquer nova revelação que acontecer daqui para a frente é crível.

Hillary amante de Obama? Em público, brigam. Em segredo, entregam-se à paixão. John McCain, candidato à presidência pelo Partido Republicano, pai dela? Após o botox, um ficou a cara do outro. É o show que deve continuar. Que venham as cenas dos próximos capítulos desses campeões de audiência.

* Publicado em O Informativo do Vale, 31 de março, e no Diário de Canoas, 02 de abril de 2008.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Quando o suco vira lei

Se aqui há o debate a respeito do consumo de álcool em determinados locais e em certas horas, na Colômbia já se limitou essa ingestão faz tempo. Em Bogotá, a Zanahoria (cenoura em espanhol) foi a lei que impôs restrições à cultura alcoólica. O apelido vem de uma gíria local para pessoas saudáveis com condutas sadias. Por exemplo, as que optam por frutas e verduras. É como se o suco virasse norma.

A associação à hortaliça era pejorativa no início. As ações bem-sucedidas e com repercussão mundial que mudaram uma situação de violência, criminalidade e mortalidade no trânsito alteraram por fim o valor dado a um comportamento - o que foi tão difícil quanto todo o resto. Algo como se no Brasil alguém pedisse uma laranjada em um bar, ouvisse uma galhofa do tipo "se não agüenta, por que veio?", e, ao invés de haver risadas, o engraçadinho é que fosse vaiado.

O diferencial colombiano foi agir nos campos moral e cultural, além de atacar a impunidade legal. Valorizou-se a ética e o dever cumprido como formas de gratificação pessoal. Imagine uma peça publicitária com a sorridente Juliana Paes bebendo limonada e depois parando o carro para uma senhora atravessar na faixa de pedestre. Isso também é ser boa.

No vetor da cultura, apostou-se na fiscalização mútua entre os cidadãos. É na vida em comunidade que as posturas corretas são reconhecidas e as erradas rechaçadas. A novela Duas Caras mostrou algo assim. Zé da Feira, personagem de Eri Johnson, quando parou de beber devido à pressão social (família e amigos), evoluiu do ofício que lhe deu a alcunha para a posição de artista com CD gravado.

A experiência realizada na capital da Colômbia tem sido um exemplo recorrente para as investidas legislativas de regulação do consumo de álcool no Brasil. Para se alcançar resultados semelhantes, é preciso sim que sejam estabelecidos espaços e horários nos quais beber não é apropriado. É necessário ainda ter a mobilização de Bogotá para alterar a realidade sob os pontos de vista da ética e da civilidade.

As políticas públicas contra o abuso do álcool logo serão preceitos legais, morais e sociais irreversíveis. Fabricantes, comerciantes e consumidores devem se preparar para esse novo momento. Vamos treinando. Garçom, um suco estupidamente gelado, por favor.

* Publicado em Zero Hora, 27 de março, e no Informativo SindiCFC (http://www.jeitodecomunicar.com.br/sindicfc), abril de 2008.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Som alto é animal

Música escutada em volume máximo é um animal predador. Há que se garantir que ela fique restrita ao seu habitat natural, as danceterias. É onde ela está perfeitamente adaptada ao ecossistema, cumprindo sua função biológica dentro de uma cadeia alimentar. No entanto, toda vez que tentam introduzi-la em outros ambientes, essa fera acaba transformando a tranqüilidade geral numa espécie em extinção.

Essa praga costuma se proliferar no verão, época de maior reprodução do som alto longe do cativeiro. Sua propagação se dá, principalmente, por intermédio dos poderosos alto-falantes que equipam os automóveis de seus adeptos. Esses veículos nada mais são do que jaulas em um desfile de circo, conduzidos, às vezes, pelos palhaços, outras, pelos próprios animais. Eles apresentam suas atrações mais perigosas, DJs e MCs, com um problema a mais. As portas abertas e as janelas escancaradas provocam o medo na população de que essa fauna fuja e ataque alguém. De fato, ela sempre investe contra a audição de todos.

O som alto costuma fazer tremer paredes e estruturas como as feras em geral quando emitem seus gritos. Os criadores dessa besta também respondem a ela com berros. Como uma nova geração de tarzans, eles trocaram o "óó" pela vogal seguinte, o “úú”. Alguns tentam domesticá-la, trazendo-a para casa. Porém ela não nasceu para viver em apartamento. Os vizinhos que o digam. Muitos desejariam ter acesso a um Ibama (instituto brasileiro antimúsica alta?) para se livrar desse animal que ladra, late, gane, rosna, uiva, mia, cacareja, ruge, coaxa, zune, grasna, guincha, bale, chia, bufa, arrulha, muge, urra, pia e relincha sem parar.

O lugar do som alto na selva urbana deve ser qualquer zoológico particular que atenda pelo nome de discoteca – Hippopotamus, no Rio de Janeiro, e Crocodillus, em Porto Alegre, já nominaram boates famosas. Sendo a música em volume extremo um animal, ainda se aguarda que as autoridades iniciem de uma vez a temporada de caça a esse predador em áreas residenciais e locais de descanso. Já não se agüenta mais esse bicho sempre nos pegando.

* Publicado na Gazeta do Sul, 26 de março, e em A Razão, 09 de abril de 2008.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Rodízio de idéias

Os veranistas retornaram. Os estudantes também. E o trânsito congestionou nas principais cidades gaúchas. O problema recorrente provocou o surgimento de um projeto mirabolante e pontual na capital. A idéia de gênio para tirar a cidade do engarrafamento é o rodízio de veículos.

Já tentado em outros lugares, seria a vez de Porto Alegre. Amanhã, quem sabe, Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria, Rio Grande, Passo Fundo...

A proposta é reduzir o tráfego diário em 20%. Um quinto dos transportes particulares deixariam de circular em um dia entre segunda e sexta de acordo com o final da placa. Como existe respeito à faixa de pedestre, não se para em local proibido, não se tranca cruzamento, nem há ultrapassagens pelo acostamento, o rodízio seria cumprido e a situação amenizada. Como diria o outro, conta agora uma de papagaio.

Há uma sugestão melhor. Que tal a subtração de um terço dos automóveis nos horários de pico? Um resultado de início superior ao esperado com a rotatividade apresentada.

Se o trânsito funciona bem durante as férias escolares e freia ao longo do ano letivo, o revezamento deveria ser do período sem aulas e não dos veículos. Dividam-se os alunos em três grupos. Uma parte descansa em janeiro, fevereiro e julho e faz suas avaliações em dezembro. Outra repousa em maio, junho e novembro e realiza exames em abril do próximo ano. A terceira folga em setembro e outubro e no ano seguinte em março, tendo provas finais depois em agosto. Opa! Reinventei a roda. No caso, o calendário rotativo.

Seja com ciranda de carros ou carrossel na folhinha, não se pode crer que é viável resolver problemas complexos com iniciativas isoladas, fantasiadas como criativas ou originais. Se fosse tão fácil já teria dado certo. Se alguém tivesse a resposta com exclusividade, estaria rico com ela e não a jogando ao ar.

Sozinho, o rodízio de veículos tende a ser tão frustrante para o trânsito quanto foi o calendário rotativo para a educação. É de planejamento que se precisa. Necessita-se de propostas sistêmicas, integradas e elaboradas com antecedência, considerando fatores diversos como política, economia, cultura, ética, tecnologia, engenharia e clima. Por ora, que fiquem estacionados os projetos desconexos e se embarque na busca coletiva de soluções. No momento, o mais sensato é optar por esse rodízio nas idéias.

* Publicado no Diário de Canoas, 24 de março, no Agora de Rio Grande, 25 de março, no Diário Popular de Pelotas, 02 de abril, e no Jornal NH, 30 de maio de 2008.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Isole o local de crime

As suposições se iniciaram com o sumiço de equipamentos da Petrobrás. Quem surrupiou desconhecia o valor ou foi uma ação de agentes secretos? Furto comum ou filme de 007? Trombadinhas ou espionagem industrial?

Essas especulações ficaram livres até que a investigação fosse concluída. Enquanto isso, se ficou na dependência das poucas pistas disponíveis. No entanto, menos hipóteses teriam sido criadas se uma singela providência tivesse sido adotada: o isolamento da cena do crime.

De acordo com o perito federal Isaque Martins, no caso da Petrobrás isso não ocorreu. Debater porque não foi realizado de pouco adianta. Mas falar do assunto é importante para que se crie a cultura da preservação dos locais de delitos no país.

As arrojadas técnicas vistas em seriados policiais como rotineiras nos Estados Unidos estão disponíveis e são utilizadas no dia-a-dia brasileiro. Lá elas têm mais êxito principalmente devido à conservação das áreas investigadas, além de haver um menor volume de ocorrências para se enfrentar.

Hoje, o Brasil conta com sistemas automatizados de identificação de impressões digitais, como, por exemplo, na Polícia Federal (com possibilidade de uso nos estados). No campo da biologia molecular, existe uma rede crescente de laboratórios forenses realizando exames de códigos genéticos em vestígios de crimes. Como referência na área há o Instituto-Geral de Perícias gaúcho que domina análises avançadas de DNA.

Para que isso funcione, uma medida simples deve ser observada. Constatado o delito, o isolamento deve ser imediato. Essa é uma obrigação das forças públicas e dos cidadãos. Depois, só a perícia deve ter acesso, permanecendo o local assim até que tudo seja averiguado. Essa ação oportuniza uma maior resolução de crimes, como tem ocorrido gradativamente no Rio Grande do Sul desde 2003, quando essa preservação passou a ser regra.

Voltando à Petrobrás, já se sabe que ocorreu um simples furto. Felizmente, palpites e criminosos não estão mais soltos. Que fique a lição. Menos questões de Estado, menos opiniões. Mais isolamento dos locais de crime.

* Publicado no Diário de Canoas, 08 de março de 2008.

domingo, 2 de março de 2008

Falta Big Brother no Brasil

O oitavo Big Brother Brasil é a Geni do verão. Na falta de assunto, jogam pedra no BBB. Enquanto uns só falam de defeitos, eu prefiro ver suas qualidades.

O programa é uma oportunidade para acompanharmos as fraquezas dos nossos heróis. Ícones da beleza atual, siliconadas e tatuados naturalmente seriam invejados aqui fora. Mas poucos resistem à máxima "de perto ninguém é normal". Ou seja, são iguais a nós.

A dinâmica do show é pura democracia. Há um novo líder a cada semana. Não se esperam quatro ou oito anos para que ocorra a alternância de poder. E o jogo tem a permanente mediação do jornalista Pedro Bial, um dos mais preparados da área. Porém, ele tem sido a Geni da Geni. Para alguns, ele também é feito para apanhar. Criticam-no até por citar Fernando Pessoa. Quem dera poesia fosse presença constante na tevê brasileira. Tudo valeria mais a pena.

A catarse do BBB é o paredão com a decisão da audiência a respeito de quem deve sair. O caráter dos confinados é julgado de forma rápida, satisfazendo a carência dos espectadores por uma justiça ágil.O fato é que, se as regras do programa fossem aplicadas em outros âmbitos, o país estaria melhor. Que se começasse pela instituição menos confiável de acordo com a opinião pública: o Congresso Nacional. Imagine câmeras acompanhando 24 horas os parlamentares com microfones pendurados no pescoço. Quanta coisa se descobriria. Ou deixaria de ocorrer.

Trocando o líder toda semana, conheceríamos todos os severinos. Com um Bial provocando os participantes, máscaras cairiam. Nas terças, quando os congressistas retornam a Brasília, haveria sempre um concorrido paredão. Logo, os 300 sobre os quais Luiz Inácio falou estariam reduzidos a menos de uma centena. Quando senadores se tratassem por safado ou vagabundo, as batatas deles seriam colocadas para assar. O povo decidiria quem sai do jogo por telefone ou internet. Mais célere que a urna eletrônica.

Sob essa lente, o reality show da Globo demonstra como é necessário o espetáculo de realidade para as nossas instituições. Por isso afirmo: falta Big Brother no Brasil.

* Publicado em Zero Hora, 1º de março de 2008.