segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Homem do ano, salvador da vez

O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama II, não escapará de ser escolhido como a personalidade de maior destaque do ano de 2008 na maioria absoluta das enquetes. Seja a da revista Time ou qualquer outra. Obama foi guindado a essa posição por diversas razões sobre as quais já se escreveu quase tudo. Por isso, esse artigo não gastará espaço tratando de questões como fato dele ser negro ou mulato ou ter origem mulçumana. Nenhum desses temas pode ser maior do que os seus apoiadores e todo resto aguardam dele: a solução para a crise globalizada.

Em meio às celebrações de final de ano, Barack Obama, o novo líder do mundo livre como os norte-americanos designam quem elegem deve estar refletindo sobre as suas responsabilidades. Não há época mais propícia para isso. Nos lares cristãos como o de Obama, comemora-se o nascimento de Jesus de Nazaré, eterno homem dos últimos dois mil e oito anos e salvador de sempre. Pois então é possível crer que Barack (bendito, em árabe) saiba que está assumindo as vezes do Cristo de forma transitória como muitos antes dele. Ele também vai ter que encarar uma missão divina. Dele se espera nada menos que a redenção dos pecados de seu antecessor, dos que o escolheram e dos que dependem do império americano. Ou seja, o planeta Terra.

O homem que assumirá a presidência da poderosa nação representa no momento o clichê de salvador da pátria. Tudo em torno dele vira notícia, torna-se referência ou causa admiração. Foto sem camisa, esposa elegante, a compra de uma árvore de natal. Porém, Obama, hoje no papel de Messias, deve saber que o amanhã lhe reserva um longo calvário. O colapso do sistema financeiro que herda de George Walker Bush será a sua via-crúcis. Para enfrentar esse martírio, será necessário mais do que frases como "sim, nós podemos" ou "a esperança superou o medo". Ele precisará de resultados. O abençoado da hora deve ter a compreensão de que se não conseguir com celeridade o que dele se deseja o seu destino não será outro do que a crucificação no sentido figurado. E isso vai acontecer muito mais rápido do que ocorreu de fato com o Nazareno.

Barack Obama é, ou melhor, foi o homem do ano de 2008. No entanto, ele já deve ter tido a percepção de que o fundamental agora é usar toda sua audácia para ser o que interessa de verdade: a personalidade de 2009. Em clima de "adeus ano velho", o importante mesmo é o ano que vai nascer. Que tenhamos um feliz Obama para o bem de todos nós.

* Publicado em O Informativo do Vale e em A Razão, 29 de dezembro, no Jornal VS e no Diário Catarinense, 30 de dezembro, em A Notícia de Joinville, 31 de dezembro de 2008, e no Agora de Rio Grande, 03 de janeiro de 2009.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Bom é não ter bandidos

Bandido bom é bandido morto? Vivo? Ou o que não nasceu? Pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência registrou que 43% dos entrevistados responderam de forma afirmativa à primeira questão. Ao que consta, as demais não foram feitas. A leitura inicial do índice apontaria para uma significativa rejeição aos direitos dos infratores da lei. Todavia, esse percentual pode ser considerado baixo se a intenção dos participantes era apenas a de concordar com uma solução para os atuais índices de violência.

O maniqueísta perguntaria quem são os outros 57% que preferem os bandidos vivos? Os próprios criminosos? Seus amigos, parentes e familiares? Não é por aí. A problemática está na expressão explorada. Se o oposto dela tivesse sido usado, referindo-se a delinqüentes vivos, o percentual alcançado seria minguado. Logo, poderia se entender que o restante (superior aos 43% obtidos) tem a intolerância imaginada.

Na realidade, o mais crível em relação aos que disseram preferir os bandidos mortos é que eles desejam que não haja fora-da-lei e encontraram na eliminação a forma de encarar o problema. Ao que parece, a outra possibilidade existente ficou fora da pesquisa. Ou seja, o equacionamento da questão. Faltou uma alternativa que indicasse como impedir que os criminosos surjam. Nesse contexto, o levantamento é falho ao preocupar-se com um bordão sensacionalista sem buscar a visão dos entrevistados sobre outras opções.

É possível acreditar que a hipótese “bandido bom é o que não nasce” tivesse um índice superior ao do quesito pesquisado. Sabendo-se que os processos de ressocialização dos que cometem delitos de grande potencial ofensivo são difíceis e raros, resta agir no berço da infração da lei.

Quem discordaria de políticas públicas que protejam melhor e de forma mais ampla crianças e adolescentes? Quem divergiria da priorização da educação para conscientização dos deveres e limites de cada cidadão? Quem se oporia ao enfrentamento da impunidade que corrói a sociedade?

Assim, antes de desejar a morte de criminosos, independentemente de pesquisas e de debates em torno dos direitos humanos, o bom é não ter bandidos. Ou será que é querer demais?

* Publicado em Zero Hora, 17 de dezembro, em O Globo Online, 22 de dezembro de 2008, e no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 19 de janeiro de 2009.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A exabundância legislativa brasileira

O título é mesmo para ter cara de palavrão. É uma tentativa de expressar indignação, mas não passa de um sinônimo para exagero. Trata-se de uma referência à atividade parlamentar brasileira, mais do que prolixa na elaboração de leis. No momento, há algumas nas manchetes: uma proíbe demitir marido de grávida, outra quer impedir motoristas recém habilitados de dirigirem em estradas, e a pior, a da farra dos vereadores.

Aqui não se deseja debater o "mérito" dessas propostas. A questão está no fato de que muitas leis costumam não ser cumpridas sem que isso iniba a proliferação delas. Inclusive, pode enxergar-se um nexo lógico. A existência de regras demais, por vezes contraditórias, impede que todas sejam obedecidas. Logo, quase nenhuma norma é respeitada.

Cada nova lei significa que algumas antigas deixarão de ser observadas. Isso torna inviável que se aplique, por exemplo, uma política séria de tolerância zero. O governante que tentar isso de forma plena viverá um dilema parecido com o do médico Simão Bacamarte, protagonista da obra "O alienista", de Machado de Assis. No início é possível que ações na linha "dura lex, sede lex" sejam aplaudidas, mas chegará o tempo em que todos serão atingidos por não seguirem uma ou outra "leizinha". Por fim, a autoridade perceberá ou que só ela é reta ou que nem ela escapa de cometer alguma infração.

Por outro lado, desde sempre as legislações complexas apenas serviram para atingir os fracos e proteger os poderosos. Porém, não se trata de pregar a desobediência ao regramento constituído. Pelo contrário, o objetivo é encontrar uma forma para satisfazer as exigências que forem estabelecidas. Parece que isso seria mais provável se a quantidade de normas existentes fosse menos extensa do que é. A Constituição é muito longa. Existem inúmeros códigos. Quase 12 mil leis ordinárias federais e outros 12 mil projetos em tramitação no Congresso. Fora a soma das legislações estaduais e municipais, que se não ultrapassou em breve estará na casa do milhão. Isso é a exabundância.

Como reflexão final, cita-se o britânico de origem judaica Benjamin Disraeli, duas vezes primeiro-ministro do Reino Unido no século XIX, para quem as leis eram desnecessárias para os homens puros e inúteis para os corruptos. Nessa linha, não seria o caso de ficarmos no Brasil apenas com as leis úteis para os puros e as necessárias para os corruptos?

Em tempo: "Hecha la ley, hecha la trampa". Isso explica tanto tramposo solto por aí.

* Publicado em O Globo Online, 16 de dezembro, em O Correio de Cachoeira do Sul, 17 de dezembro, no Diário Popular de Pelotas, no Agora de Rio Grande e no Diário de Canoas, 18 de dezembro, em O Informativo do Vale, 22 de dezembro, e na Gazeta do Sul, 24 de dezembro de 2008.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Brasil, um destino de excursões para a impunidade

Os filmes norte-americanos costumam citar o "Brazil" como rota rumo à impunidade. Até o incrível Hulk, o monstro verde dos gibis, usa a Rocinha no Rio de Janeiro como refúgio na sua película mais recente. Não é só na ficção que isso ocorre. Lembrem-se do britânico Ronald Biggs, preso na Inglaterra após o roubo a um trem postal em 1963 e que fugiu para cá em 1970. Aqui Biggs acabou tornando-se uma celebridade de certo modo.

Pois essa vocação mereceria maiores investimentos. Hoje o turismo está cada vez mais segmentado. Há opções para a terceira idade, para o público GLS, para deficientes etc. Então, por que não usamos a impunidade como alternativa turística? Isso pode parecer ofensivo à ordem legal. E é. Porém, a indústria voltada à exploração sexual também não é? Aliás, muito mais agressiva à moral e nem assim suficientemente combatida.

Nesse contexto, cabe avaliar como se desenvolveriam as excursões para a impunidade. Trata-se da adequação de um produto nacional ao imaginário dos estrangeiros, tal qual o carnaval, por exemplo. É amplamente praticado no país, não como recreação, mas como negócio. Ou seja, o esquema é profissional. Também é uma atividade que conta com uma forte inserção na mídia, que não a incentiva, mas a divulga, garantindo a lembrança da marca no mercado consumidor.

Imaginem as possibilidades. No pacote mais simples, o habeas corpus preventivo precisaria ser adquirido à parte, o que no completo seria um benefício incluso. Na exclusiva versão Dantas, para banqueiros multimilionários, o adquirente ainda levaria uma súmula vinculante como brinde. E cada grupo que chegasse ao país, além de um guia, ainda teria a assistência 24 horas de um advogado criminalista.

Para os curiosos, como alternativa às turnês pelas favelas, haveria a visita de algumas horas a um presídio só para vivenciarem o destino dos menos favorecidos. E para os que preferem esportes radicais, a melhor opção seria ir a um estádio de futebol, com direito a briga de torcida organizada, podendo depredar banheiros e disparar tiros a esmo.

Além disso, o momento é favorável para esse processo. Até o uso de algemas foi relaxado, impedindo que os nossos futuros hóspedes sejam submetidos a esse tipo de constrangimento. Talvez o único problema que o turismo da impunidade venha a enfrentar seja o superfaturamento, mas como o cliente também vai dar calote, que se adapte o ditado. Ladrão que rouba ladrão ao menos vai aproveitar o feriadão.

* Publicado em O Globo Online, 09 de dezembro, na Gazeta do Sul, em O Correio de Cachoeira do Sul, em A Razão e no Diário Popular de Pelotas, 10 de dezembro, no Diário de Canoas, 24 de dezembro de 2008, e no Jornal VS, 15 de janeiro de 2009.