terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A exabundância legislativa brasileira

O título é mesmo para ter cara de palavrão. É uma tentativa de expressar indignação, mas não passa de um sinônimo para exagero. Trata-se de uma referência à atividade parlamentar brasileira, mais do que prolixa na elaboração de leis. No momento, há algumas nas manchetes: uma proíbe demitir marido de grávida, outra quer impedir motoristas recém habilitados de dirigirem em estradas, e a pior, a da farra dos vereadores.

Aqui não se deseja debater o "mérito" dessas propostas. A questão está no fato de que muitas leis costumam não ser cumpridas sem que isso iniba a proliferação delas. Inclusive, pode enxergar-se um nexo lógico. A existência de regras demais, por vezes contraditórias, impede que todas sejam obedecidas. Logo, quase nenhuma norma é respeitada.

Cada nova lei significa que algumas antigas deixarão de ser observadas. Isso torna inviável que se aplique, por exemplo, uma política séria de tolerância zero. O governante que tentar isso de forma plena viverá um dilema parecido com o do médico Simão Bacamarte, protagonista da obra "O alienista", de Machado de Assis. No início é possível que ações na linha "dura lex, sede lex" sejam aplaudidas, mas chegará o tempo em que todos serão atingidos por não seguirem uma ou outra "leizinha". Por fim, a autoridade perceberá ou que só ela é reta ou que nem ela escapa de cometer alguma infração.

Por outro lado, desde sempre as legislações complexas apenas serviram para atingir os fracos e proteger os poderosos. Porém, não se trata de pregar a desobediência ao regramento constituído. Pelo contrário, o objetivo é encontrar uma forma para satisfazer as exigências que forem estabelecidas. Parece que isso seria mais provável se a quantidade de normas existentes fosse menos extensa do que é. A Constituição é muito longa. Existem inúmeros códigos. Quase 12 mil leis ordinárias federais e outros 12 mil projetos em tramitação no Congresso. Fora a soma das legislações estaduais e municipais, que se não ultrapassou em breve estará na casa do milhão. Isso é a exabundância.

Como reflexão final, cita-se o britânico de origem judaica Benjamin Disraeli, duas vezes primeiro-ministro do Reino Unido no século XIX, para quem as leis eram desnecessárias para os homens puros e inúteis para os corruptos. Nessa linha, não seria o caso de ficarmos no Brasil apenas com as leis úteis para os puros e as necessárias para os corruptos?

Em tempo: "Hecha la ley, hecha la trampa". Isso explica tanto tramposo solto por aí.

* Publicado em O Globo Online, 16 de dezembro, em O Correio de Cachoeira do Sul, 17 de dezembro, no Diário Popular de Pelotas, no Agora de Rio Grande e no Diário de Canoas, 18 de dezembro, em O Informativo do Vale, 22 de dezembro, e na Gazeta do Sul, 24 de dezembro de 2008.

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