quinta-feira, 2 de abril de 2009

A ultraviolência


O livro Laranja Mecânica, de Anthony Burguess, escrito em 1962 e transformado em clássico do cinema nove anos depois por Stanley Kubrick, pegou emprestado seu título de uma expressão na qual a fruta automatizada representa tudo que é bizarro. A obra se caracteriza assim por tratar de um futuro peculiar no qual a juventude é adepta da ultraviolência. Roubam, espancam, estupram e até matam por puro deleite.

Pois o que era estranhamento no romance de Burguess se tornou realidade no Brasil e no mundo. Várias ocorrências atestam isso. São os massacres perpetrados por atiradores nos Estados Unidos e na Europa; os atentados praticados por terroristas suicidas em busca do paraíso e das virgens reservadas para eles; e as brigas agendadas pela internet entre torcidas organizadas ou adolescentes entediados. Também se enquadram os casos que envolvem grupos formados para prática de ódio racial. Ainda há um forte indício de ultraviolência nas agressões de alunos a professores e até mesmo de filhos aos pais. Enfim, a qualquer um que tenha por dever autoridade sobre eles.

A perda de referenciais do que é certo ou errado é uma característica da sociedade sombria do livro e do filme e da aldeia global em que vivemos. Sem paradigmas sólidos, tudo se resume à procura de prazeres fugazes. Todas as experiências passam a ter como regra o cometimento de abusos. E a brutalidade nas suas mais diversas manifestações não é exceção.

Percebida a presença da ultraviolência como denominador comum, o que se pode fazer? Em Laranja Mecânica, como obra ficcional que é, na qual tudo é possível, aparece como opção a lavagem cerebral. No mundo real, algo assim feriria tanto a condição humana quanto quaisquer das selvagerias citadas. No entanto, talvez seja viável entender o conceito de limpeza da mente de uma outra forma.

Se a ultraviolência está por aí, ela precisa ser enfrentada. Isso pode iniciar com um expurgo de preconceitos, acompanhado de uma depuração dos valores individualistas. E para completar a lavagem, dois fortes agentes limpadores do meio social: a infância protegida e a adolescência com limites. Porém isso tudo precisa acontecer já, antes que essas atitudes se tornem raras. Ou tão bizarras quanto uma laranja mecânica.

* Publicado em A Notícia de Joinville, 02 de abril, na Gazeta do Sul, 04 de abril, no Diário de Canoas e no Diário Popular de Pelotas, 06 de abril, e em O Informativo do Vale, 08 de abril de 2009.

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