quarta-feira, 1 de maio de 2019

O buraco é mais embaixo

A primeira imagem de um buraco negro foi um dos eventos científicos mais adulados dos últimos tempos. Como se diz, um grande feito para a humanidade. Mas na sua esquina também tem outro buraco, um no meio da rua que lhe atrapalha a rotina. Nada mais humano que o incômodo que ele lhe causa. Entre o sentimento de grandiosidade relativo ao que a ciência alcançou e o da amolação gerada pelo não atendimento pelo poder público de uma necessidade da vida urbana, estamos todos nós.

Descobrir que a luz realmente se dobra em uma região do espaço que apresenta um campo gravitacional do qual nada escapa é belo. É emocionante até, mesmo que isso tenha ocorrido há mais de 50 milhões de anos-luz de distância, considerando-se uma viagem a 300 mil quilômetros por segundo. Afinal, é o início da comprovação de uma teoria que tem mais de 200 anos. Das estrelas negras do inglês John Michell, em 1783, passando pela Teoria da Relatividade de Einstein, em 1915, até a fotografia recente de 10 de abril.

No entanto, tudo isso em nada muda a chateação do pneu que furou ao passar por aquele espaço aberto no asfalto. Nem a importunação do solavanco que a solução de continuidade na via pública provoca. Muito menos a irritação do pedestre no dia de chuva, quando a água da poça formada pelo buraco da rua lhe dá um banho provocado por um motorista no mínimo desatento à situação.

Não se trata de diminuir o acontecimento científico, nem maximizar um problema urbano. Como disse Terêncio, no segundo século antes de Cristo, “sou humano, nada do que é humano me é estranho”. Os anseios da humanidade convivem em todos níveis e em proporções variáveis. Cada um sabe o que mais lhe move a cada momento.

Viva! Já temos imagens de um buraco negro. Diabos, ninguém fecha aquela cratera da minha rua. Um fato não invalida o outro. As coisas nunca são tão simples quanto parecem. Ou seja, o buraco é sempre mais embaixo.

* Publicado no Facebook, 26 de abril de 2019.

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