terça-feira, 6 de maio de 2008

A Lugo o que é de Lugo

Fernando Lugo, presidente eleito do Paraguai, quer discutir o preço da energia da usina hidrelétrica de Itaipu pago pelo Brasil. Recordando, a usina foi construída no rio Paraná, na fronteira entre os dois países. Pelos termos do tratado binacional, os brasileiros ficaram responsáveis pelos recursos financeiros que viabilizaram a obra. Isso se deu por meio da obtenção de empréstimos em instituições financeiras privadas e bancos estatais estrangeiros. Ou seja, uma parte da nossa famosa dívida externa, já sanada, mas que só terminará de ser paga em 2023.

Ficou decidido que a energia gerada pela usina seria dividida em partes iguais entre os dois sócios. Porém o Paraguai utiliza apenas 5% da dele, o suficiente para suprir 95% de sua demanda. Logo, o Brasil fica com o resto e paga por isso. Lugo questiona a legitimidade do atual valor que os paraguaios recebem. Sob o ponto de vista legal, sabe-se que pouco pode ser contestado. A solução jurídica contratual é considerada uma das mais importantes contribuições do jurista Miguel Reale (1910-2006). O debate se encontra na esfera da validade ética desse acordo nos dias de hoje. Considerando o poder econômico da cada nação e a importância disso no campo das relações internacionais do Mercosul, o preço em vigor é socialmente justo? É aceitável que a tarifa seja paga pelo custo e não pelo valor de mercado? Tudo que é legal é também legítimo?

Essa tem sido uma polêmica recorrente toda vez que novos governos em quaisquer latitudes encontram contratos que não atendem aos seus interesses ideológicos. Não sendo possível objetar a legalidade na maior parte das vezes, tudo recaí nessa retórica que busca desmoralizar a autenticidade do que foi outrora firmado. No presente caso, é até possível saudar essa mudança. Quem diria que o país da "garantía soy yo" estaria protestando contra a legitimidade de algo.

Neste pleito, o futuro presidente da República do Paraguai deve estar contando com o histórico do governo Lula que cedeu no caso do gás boliviano e no perdão de dívidas de alguns países africanos. No entanto, ainda que improvável, um encontro de contas deveria ser proposto para resolver a questão. Se a energia deve ser remunerada de forma correta, também é preciso calcular o débito paraguaio pela construção da maior hidrelétrica do mundo em geração de energia.

Passada a régua, faça-se o que Jesus propôs ao confirmar para um grupo de fariseus e herodianos a licitude dos impostos cobrados por Roma, indicando que as moedas imperiais deveriam ser entregues para César porque lhe pertenciam. Como ex-bispo católico, o paraguaio deve conhecer bem esses versículos. Mandem a fatura com os dois valores: o que for justo pagarmos e o que é certo eles nos devolverem. Que seja dado logo a Lugo tudo o que for de Lugo.

* Publicado no Diário Catarinense, 06 de maio, e no Jornal VS, 13 de maio de 2008.

Nenhum comentário: