quarta-feira, 21 de maio de 2008

O último nigiri (Malthus e a guerra pelo último sushi)

Como diria o sushiman, vamos por peças. Nigirizushi é um prato japonês feito à mão, no qual um bolinho de arroz temperado com molho de vinagre, açúcar e sal é coberto com uma fatia de peixe cru (salmão ou atum, por exemplo). Feito com um cereal trivial e uma iguaria sofisticada, o nigiri ou apenas sushi, como também é chamado, pode ser visto como símbolo de polêmicas atuais da política internacional: segurança alimentar, biocombustíveis e devastação ambiental.

A escassez de grãos como o arroz tem gerado inflação, revolta em países miseráveis como Haiti e Bangladesh e possibilidade de racionamentos. Nos Estados Unidos, limitou-se a venda do cereal. Lá ainda há a ameaça de extinção do salmão por causa do aquecimento global - temperaturas altas matam organismos que servem de refeição para o peixe. A população dele foi reduzida a 6% do total de 2003. Pobres ou ricos, todos precisam comer.

Albert Einstein (1879-1955), físico alemão, dizia não saber como seria a Terceira Guerra Mundial, mas que podia dizer como seria a Quarta: com paus e pedras. Ele só não previu o motivo. A insuficiência de mantimentos no início do século XXI desponta como razão para confrontos globais, diferente do que se pensava nos anos 70, quando o petróleo era a causa das crises, ou do que se imaginava na década de 90, quando a poluição das águas era o maior problema previsto.

Contudo, tanto o ouro negro como a fonte da vida são fatores que causam de forma direta a carência enfrentada. De um lado, grãos que fazem falta na mesa viram combustíveis alternativos aos de origem fóssil. Do outro, a degradação de aqüíferos atinge a produção agropecuária. Coincidência: a rizicultura necessita de água em abundância e o salmão não vive fora dela.

Thomas Malthus (1766-1834), economista britânico, foi o primeiro a antever que a privação de meios de subsistência seria a equação do futuro ao verificar que as populações cresciam de forma geométrica e o suprimento do sustento delas aumentava apenas aritmeticamente. Por muito tempo isso não foi real. O desenvolvimento tecnológico rechaçou essa hipótese. Há alguns anos se voltou a falar nisso, agora sob o rótulo de "neomalthusianismo". Outra vez, questões que envolvem alimentos, energia e preservação estão presentes. Incrementos obtidos pela ciência para otimizar cultivos danificam clima e solo, reduzindo os efeitos da tecnologia.

Diz o provérbio que em casa onde falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão. É o que tem ocorrido em nível mundial quando se fala em segurança alimentar e biocombustíveis. Enquanto isso, a inflação sobe, a comida falta e a devastação ambiental continua. Soluções precisam ser encontradas com urgência ou logo teremos a guerra definitiva. E ela será com pauzinhos pelo último nigirizushi.

* Publicado em O Globo Online, 21 de maio, em A Notícia de Joinville, 22 de maio, no Diário de Canoas, 23 de maio, e na Gazeta do Sul, 26 de maio de 2008.

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