segunda-feira, 21 de julho de 2008

Zumbis da inflação

Metáforas transferem significados a âmbitos distintos do original. No jornalismo, elas tendem a virar lugares-comuns. Leão do imposto de renda, elefante branco para obras públicas inacabadas, sanguessugas da saúde. E há o dragão da inflação. O gigantesco lagarto alado que cospe fogo representa a desproporção entre o aumento de preços e o poder de compra da população. Vivendo uma estabilidade econômica desde 1994, o Brasil acreditou que esse mito estava extinto. No entanto, este ano a inflação retornou acompanhada da velha metáfora.

Esta volta requer uma nova alegoria. O jornalismo como permanente representação da realidade social não deve atrelar-se a signos do passado. Nesse sentido, apresenta-se um símbolo contemporâneo: os zumbis. Personagens de um gênero da ficção de horror que está na moda, eles têm sido revitalizados na literatura e no cinema. Nas grandes cidades do mundo, jovens realizam caminhadas anuais para homenageá-los.

Basta uma descrição mais detalhada para que se vejam as semelhanças entre essas criaturas e a inflação. Para começar, nunca se sabe bem como surgem. Há apenas teorias. Elas eclodem por todas as partes com uma agressividade irracional e um apetite incontrolável. Como uma epidemia viral, transmitida de forma endêmica, o fenômeno se espalha na sociedade, devorando a todos, afetando raciocínios e gerando mais dele mesmo. Zumbis e a alta de preços se multiplicam com voracidade e sem racionalidade.

Tem mais. O fato de serem sempre em um maior número do que a população consegue encarar mantém a representação de desproporcionalidade como na metáfora antiga. Algumas vezes, cogita-se a possibilidade de domar as criaturas. Em outras, chega-se a imaginar que elas foram erradicadas. Aliás, mortos-vivos só morrem de verdade ao levar um tiro na cabeça (recordam-se do ex-presidente Collor e sua tentativa frustrada de acabar com a inflação com uma única "bala"?). A domesticação e a suposta extinção nunca funcionam. Isso é o que está acontecendo com o atual processo inflacionário. Logo, não é um dragão que estamos enfrentando. Preparem-se é para os zumbis da inflação. Eles é que estão nos assombrando por aí.

* Publicado em A Razão e em O Globo Online, 21 de julho, no Diário de Canoas, 25 de julho, Diário Popular de Pelotas, 27 de julho, e no A Notícia de Joinville, 28 de julho de 2008.

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