quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Conjunção adversa à ética

Rouba, mas faz. Essa frase tem justificado a atuação de vários políticos desde Adhemar de Barros (1901-1969), duas vezes governador de São Paulo, a quem a sentença é atribuída. No recente episódio do banqueiro algemado pela Polícia Federal, um senador afirmou que se tratava de um bandido, mas que produz e gera emprego. Ou seja, essa é uma mentalidade que ainda tem forte aceitação no País. Uma parcela da população costuma valorizar os resultados obtidos em detrimento da conduta utilizada para alcançá-los. Essa anuência ocorre em todos os níveis. Sempre há uma conjunção adversativa para justificar a falta de ética de alguém. De um estafeta ao presidente da República.

Se o condomínio aumenta e nada acontece no prédio, o síndico vira suspeito. Quando começam as obras, ele ganha fama de quem faz. Não obstante, a pecha de que está levando algum por fora nunca desaparece. Edifício reformado, ele é reeleito. Ninguém respeita o seu sindicato, pois os dirigentes são considerados aproveitadores. Começa a greve e um pequeno reajuste é concedido. Os de sempre continuam mandando. Apesar disso ainda são tachados de tirarem vantagem do cargo. O diretor leva uma beirada em cada venda de jogador, ainda assim o time é campeão. Ele se eterniza no clube. Não falta quem diga: rouba, no entanto, é vencedor.

Não só quem está no poder se enquadra nessa situação. No cotidiano, é comum o uso da idéia de contraste ético entre duas assertivas. Ele ultrapassou pelo acostamento, mas dirige bem. Cobrou de pacientes do SUS, porém, é um médico competente. Espancou os filhos, contudo, é um pai zeloso. Colou na prova, todavia é ótimo aluno. Aceitou propina, entretanto, é bom funcionário.

A ausência de moralidade não é algo percebido só na administração pública. O seu esquecimento se verifica no dia-a-dia. Os governantes corruptos apenas reproduzem um comportamento presente na sociedade. A condescendência como constante tem sido a conjuntura mais adversa à ética. O juízo entre o que é certo ou errado não deveria conviver com mas, porém, contudo, todavia, entretanto...

Mário Covas (1930-2001), outro ex-governador paulista, em seu tempo cunhou a frase que desmistifica a epígrafe: “É preciso acabar com o rouba, mas faz. Quem não rouba, faz mais.” Em qualquer conjunção.

* Publicado em A Platéia, 04 de agosto, no Diário Popular de Pelotas, 07 de agosto, na Gazeta do Sul, 22 de agosto, e no Diário de Canoas, 03 de novembro de 2008.

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