sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Crocodilos não são a solução


Venha morar com a tranquilidade proporcionada por um sistema de segurança total: exército particular, ponte levadiça, caldeirões com óleo fervente e fosso com crocodilos. Esse poderia ser o anúncio de um imóvel na Idade Média, mas os lares de hoje não são muito diferentes, verdadeiras fortalezas protegidas por vigilantes, guaritas, câmeras e cercas eletrificadas. Só faltam os répteis.

No entanto, como nos tempos em que os bárbaros se lançavam contra reis aquartelados, vem crescendo uma modalidade de delito: o arrastão em condomínios de luxo. Esse fenômeno talvez possa ser explicado a partir de observações sobre as relações entre o espaço urbano e a criminalidade.

A fragilidade verificada em complexos residenciais fechados resulta das características desses empreendimentos. Com o objetivo de afastar-se da violência das ruas, essas áreas costumam ser construídas envoltas por muralhas, localizando-se em bairros com baixa densidade demográfica. A aparente proteção intramuros provoca a insegurança no lado de fora, já que as vias externas são pouco movimentadas e não se tem a visão desses acessos a partir do interior.

Logo, a ação para os delinquentes se resume a um conflito bélico entre eles, motivados e dispostos a tudo, e o exército particular do complexo, em geral desorganizado e descomprometido. E cada vez mais se tem notícia desse tipo de crime.

Especialistas se apressam em ditar recomendações, quase todas relativas à conscientização dos moradores para que esses obedeçam a regras marciais de comportamento. Todavia, isso não irá resolver as questões estruturais que afetam os condomínios fechados.

Na realidade, é necessária a revisão dessa opção urbanística, apostando-se em alternativas para que toda a sociedade desfrute de um ambiente protegido e não apenas alguns grupos encastelados. Sob o ponto de vista da segurança pública, o ideal é impulsionar atividades que gerem circulação de pedestres e veículos, aumentar a densidade de edificações e combinar espaços públicos residenciais e comerciais dentro de um mesmo bairro. Ou seja, é preciso estimular que as pessoas convivam mais entre si, pois não são grades que podem acabar com o problema. E, definitivamente, crocodilos não são a solução.

* Publicado em Zero Hora, 23 de janeiro de 2009.

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