segunda-feira, 16 de março de 2009

Quem quer ser um miserável?


O vencedor do Oscar 2009 de melhor filme recebeu um título nacional que apela para o desejo de riqueza: "Quem quer ser um milionário?". Além desse anseio, pode-se supor que junto a ele esteja presente um sentimento assemelhado, porém menos glamoroso: a repulsa à pobreza. Em uma realidade penosa, a ambição muitas vezes nada mais é do que um plano de fuga. A partir da compreensão do longa metragem sob esse aspecto, talvez seja viável entender as posturas existentes no contexto brasileiro em relação a algumas situações de carência absoluta.

A aventura cinematográfica tem como cenário a Índia atual, onde se desenvolve a trajetória do jovem Jamal, de origem humilde e baixa escolaridade. Apesar de ter a orfandade e a exclusão como biografia, ele está prestes a ganhar milhões, porém precisa provar à polícia como adquiriu o conhecimento para responder as perguntas de um programa de tevê. Nesse panorama vai sendo apresentado um país diferente daquele que muitos já afirmaram um dia ser refratário à violência e ao crime devido a uma cultura de aceitação da miséria disseminada.

Enquanto na novela das nove é apresentada uma sociedade dividida em castas, cercada de superstições por todos os lados, na Índia do filme há tortura policial, favelas controladas por bandidos, chacinas, furtos para subsistência, prostituição infantil e homicídios. Mas, dentre o conjunto de delitos que perpassam o roteiro dessa história, nada supera em horror a exploração da mendicância de crianças. Meninas e meninos, além de sofrerem esse abuso moral, chegam a ser mutilados para maximizar os lucros. Por exemplo, seus opressores sabem que garotos cegos recebem esmolas maiores. Ou seja, a pobreza conjugada com a deficiência faz com que os turistas estrangeiros paguem mais para se sentirem aliviados em relação a essas desgraças.

A obra do diretor Danny Boyle apresenta as enfermidades sociais indianas, porém nelas se enxergam as do Brasil de hoje. Aqui a sociedade não costuma considerar a questão da exclusão como uma responsabilidade sua. Espera-se que os governos resolvam o problema. E se sabe que eles não estão resolvendo. De quando em quando se dá uma moedinha para os "trombadões" nos semáforos. A repulsa à pobreza tem disso. Para que a consciência fique menos pesada alguns centavos bastam. As pessoas seguem seus caminhos e os pedintes ficam ali com as migalhas.

O sentimento de aversão é mais que natural. Afinal de contas, quem deseja envolver-se com a indigência? Os mendigos daqui, da Índia e do resto das favelas do mundo também manteriam distância dela se pudessem. A verdade é que ninguém quer ser um miserável, mas para os excluídos essa opção nunca está entre as alternativas. Para eles, sempre faltam as respostas certas.

* Publicado em O Globo Online, 16 de março, em O Informativo do Vale, 18 de março, no Diário Popular de Pelotas, 20 de março, na Gazeta do Sul, 21 de março, e no Diário de Canoas, 25 de março de 2009.

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