terça-feira, 3 de março de 2009

Obscenidades cotidianas


A invasão da pornografia na arte e na mídia é o tema de uma mostra em Viena. O evento na capital austríaca é uma tentativa de lidar com algo que está presente em larga escala em qualquer coletividade, mas, quando não realizado em segredo, costuma causar escarcéu.

Na comparação com a realidade brasileira, pode-se dizer que a ocorrência dessa exposição seria inviável. Não há museu capaz de comportar o material disponível. O Brasil é um país em que nádegas abundam e mamilos despontam em profusão. Onde essa exibição é feita às claras e não requer espaço organizado ou programação antecipada.

Agora, ao considerar-se o sentido pleno em grego do que é pornô, fica mais explícita a impossibilidade brasileira de reunir em um único local toda a coleção existente. Falam-se aqui de obscenidades mais amplas como a indecência e a desonestidade. Destacam-se aí algumas das principais sem-vergonhices nacionais: a violência e a corrupção.

Em relação à primeira, verifica-se que ela tem frutificado mais do que os apelidos para dançarinas de funk. Há a bestialidade do crime e do trânsito. A crueldade nas escolas e nas famílias. A brutalidade no campo e na cidade. A fúria nos estádios. As agressões físicas e psicológicas. O ódio nas palavras e nos atos. Enfim, violência para todos os desgostos.

Já a corrupção, como precisa de segredo para evitar o flagrante, aproxima-se muito da pornografia no seu sentido original. E mais, como partes de um corpo que se desvenda sob tecidos transparentes, essa espécie de devassidão tem sido revelada ao público em porções cada vez maiores. Do “fora Collor” ao desabafo de Jarbas Vasconcelos, passando pelo escândalo do mensalão, a esperança é de que ainda se conseguirá pegar alguém com as calças nas mãos.

Passado o carnaval, época em que a invasão de nádegas e mamilos atinge o seu ápice, restam as demais bandalheiras. Depois de toda quarta-feira de cinzas, somos obrigados outra vez a acostumar-nos com a violência e a corrupção. Enquanto os austríacos vão a museus de arte contemporânea para perceber a penetração do pornô no seu dia-a-dia, nós brasileiros temos que conviver com as obscenidades cotidianas em todos os lugares. Na Áustria, a exposição é temporária. Aqui, a falta de decência e de honestidade tem sido permanente. Que tal começarmos a boicotá-las?

* Publicado em A Razão, 03 de março de 2009, na Gazeta do Sul e em O Correio de Cachoeira do Sul, 04 de março, e no Diário Popular de Pelotas, 10 de março de 2009.

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