sexta-feira, 28 de março de 2008

Quando o suco vira lei

Se aqui há o debate a respeito do consumo de álcool em determinados locais e em certas horas, na Colômbia já se limitou essa ingestão faz tempo. Em Bogotá, a Zanahoria (cenoura em espanhol) foi a lei que impôs restrições à cultura alcoólica. O apelido vem de uma gíria local para pessoas saudáveis com condutas sadias. Por exemplo, as que optam por frutas e verduras. É como se o suco virasse norma.

A associação à hortaliça era pejorativa no início. As ações bem-sucedidas e com repercussão mundial que mudaram uma situação de violência, criminalidade e mortalidade no trânsito alteraram por fim o valor dado a um comportamento - o que foi tão difícil quanto todo o resto. Algo como se no Brasil alguém pedisse uma laranjada em um bar, ouvisse uma galhofa do tipo "se não agüenta, por que veio?", e, ao invés de haver risadas, o engraçadinho é que fosse vaiado.

O diferencial colombiano foi agir nos campos moral e cultural, além de atacar a impunidade legal. Valorizou-se a ética e o dever cumprido como formas de gratificação pessoal. Imagine uma peça publicitária com a sorridente Juliana Paes bebendo limonada e depois parando o carro para uma senhora atravessar na faixa de pedestre. Isso também é ser boa.

No vetor da cultura, apostou-se na fiscalização mútua entre os cidadãos. É na vida em comunidade que as posturas corretas são reconhecidas e as erradas rechaçadas. A novela Duas Caras mostrou algo assim. Zé da Feira, personagem de Eri Johnson, quando parou de beber devido à pressão social (família e amigos), evoluiu do ofício que lhe deu a alcunha para a posição de artista com CD gravado.

A experiência realizada na capital da Colômbia tem sido um exemplo recorrente para as investidas legislativas de regulação do consumo de álcool no Brasil. Para se alcançar resultados semelhantes, é preciso sim que sejam estabelecidos espaços e horários nos quais beber não é apropriado. É necessário ainda ter a mobilização de Bogotá para alterar a realidade sob os pontos de vista da ética e da civilidade.

As políticas públicas contra o abuso do álcool logo serão preceitos legais, morais e sociais irreversíveis. Fabricantes, comerciantes e consumidores devem se preparar para esse novo momento. Vamos treinando. Garçom, um suco estupidamente gelado, por favor.

* Publicado em Zero Hora, 27 de março, e no Informativo SindiCFC (http://www.jeitodecomunicar.com.br/sindicfc), abril de 2008.

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