quarta-feira, 26 de março de 2008

Som alto é animal

Música escutada em volume máximo é um animal predador. Há que se garantir que ela fique restrita ao seu habitat natural, as danceterias. É onde ela está perfeitamente adaptada ao ecossistema, cumprindo sua função biológica dentro de uma cadeia alimentar. No entanto, toda vez que tentam introduzi-la em outros ambientes, essa fera acaba transformando a tranqüilidade geral numa espécie em extinção.

Essa praga costuma se proliferar no verão, época de maior reprodução do som alto longe do cativeiro. Sua propagação se dá, principalmente, por intermédio dos poderosos alto-falantes que equipam os automóveis de seus adeptos. Esses veículos nada mais são do que jaulas em um desfile de circo, conduzidos, às vezes, pelos palhaços, outras, pelos próprios animais. Eles apresentam suas atrações mais perigosas, DJs e MCs, com um problema a mais. As portas abertas e as janelas escancaradas provocam o medo na população de que essa fauna fuja e ataque alguém. De fato, ela sempre investe contra a audição de todos.

O som alto costuma fazer tremer paredes e estruturas como as feras em geral quando emitem seus gritos. Os criadores dessa besta também respondem a ela com berros. Como uma nova geração de tarzans, eles trocaram o "óó" pela vogal seguinte, o “úú”. Alguns tentam domesticá-la, trazendo-a para casa. Porém ela não nasceu para viver em apartamento. Os vizinhos que o digam. Muitos desejariam ter acesso a um Ibama (instituto brasileiro antimúsica alta?) para se livrar desse animal que ladra, late, gane, rosna, uiva, mia, cacareja, ruge, coaxa, zune, grasna, guincha, bale, chia, bufa, arrulha, muge, urra, pia e relincha sem parar.

O lugar do som alto na selva urbana deve ser qualquer zoológico particular que atenda pelo nome de discoteca – Hippopotamus, no Rio de Janeiro, e Crocodillus, em Porto Alegre, já nominaram boates famosas. Sendo a música em volume extremo um animal, ainda se aguarda que as autoridades iniciem de uma vez a temporada de caça a esse predador em áreas residenciais e locais de descanso. Já não se agüenta mais esse bicho sempre nos pegando.

* Publicado na Gazeta do Sul, 26 de março, e em A Razão, 09 de abril de 2008.

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