terça-feira, 3 de junho de 2008

Língua de sinais (A linguagem dos semáforos)

Se a comunicação oral não pode ser utilizada, caso dos deficientes auditivos, a solução é o emprego de uma linguagem não-verbal, baseada em sinais feitos com as mãos. Atualmente, não só eles têm feito uso desse tipo de recurso. Pelos menos dois grupos sociais apelam cada vez mais para gestos como forma de se fazerem compreender, apesar de poderem ouvir e falar. São motoristas e pedintes quando se confrontam nos semáforos fechados.

Para evitar a coação dos esmoleiros, condutores têm preferido manter levantados os vidros do carro. Com o ar-condicionado, não precisam abrir as janelas. Com o som alto, ficam surdos à mendicância crescente nas sinaleiras. Mas quem está dirigindo, por mais que deseje, não pode evitar enxergar a pessoa que está no lado de fora. Começa então um diálogo de movimentos e expressões corporais. Chega o pedinte, levantando a camisa para mostrar que não está armado. O motorista sorri aliviado. O que mendiga faz um sinal com os dedos como se segurasse a moeda que quer. A pessoa no volante acena um não com a cabeça. O esmoleiro apela para fome. Com uma mão circulando sobre o estômago e a outra levada em direção à boca, ele indica que o dinheiro é para comida. Enquanto finge procurar alguma moeda dentro do carro, o condutor ergue as mãos abertas e espalmadas para cima como quem as tira de bolsos vazios. Ufa! Luz verde. O automóvel parte para a próxima sinaleira onde essa coreografia constrangedora se repetirá.

Existem variações para esse encontro mais belicosas. De pedintes, alguns indivíduos passam a mandantes, exigindo dinheiro com pedras ou pregos na mão, ameaçando quebrar vidros ou riscar a lataria do veículo. Se na situação anterior, o mote era o constrangimento, nesse caso é a intimidação que impera. De forma pacífica ou agressiva, quem deseja algo em quase todas as oportunidades se faz entender.

Essa é a linguagem dos semáforos. Nos cruzamentos onde os que pouco tem se encontram com os detentores de posses, ela está presente. No atual cenário internacional, apenas o ponto de vista se inverteu. Quem sempre deu esmolas descobriu que há pessoas famintas no mundo. Esfrega a mão na barriga, protestando contra os biocombustíveis. Alimentos estariam sendo usados para que motores funcionem. Já os que recebiam as moedas mostram as mãos sem dinheiro, culpando a filantropia desnecessária dos subsídios agrícolas europeus e norte-americanos como causa da fome global.

Como ainda não foram mostradas pedras ou pregos, o sinal é de atenção. Sempre que sobrevivência e interesses estão em disputa, as linguagens do constrangimento e da intimidação são universais. Ali na esquina ou em Roma, onde os líderes de 193 países estiveram reunidos para discutir a crise mundial de alimentos e combustíveis.

* Publicado em O Informativo do Vale, 03 de junho, no Diário de Canoas, 04 de junho, em A Notícia de Joinville, 05 de junho, no Agora de Rio Grande, 07 de junho, na Gazeta do Sul, 10 de junho, e no Jornal VS, 16 de junho de 2008.

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