domingo, 24 de fevereiro de 2008

Escolhe, pois, qual vida?

Em 1988, quando fiz vestibular, preparar-se para a redação era saber dissertar sobre matérias polêmicas como pena de morte, eutanásia e aborto. Duas décadas depois, essas questões continuam em debate, em especial, após a definição do tema da Campanha da Fraternidade de 2008. Com o lema "escolhe, pois, a vida", retirado do quinto livro da Bíblia, o Deuteronômio, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil tem o mérito de manter a defesa da vida em evidência, apesar de reafirmar dogmas e não abrir exceções.

Para nós mortais, esses assuntos ainda geram dúvidas hoje e, provavelmente, sempre. De acordo com as pesquisas de opinião, a violência e a criminalidade seriam a justificativa para o apoio da maioria da população brasileira à pena de morte. No próprio Deuteronômio, que apresenta os preceitos judiciais a serem utilizados na Terra Prometida, há a orientação: "vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé". Mas como aceitar a pena capital sabendo que não existe sistema infalível? Quantos inocentes pagam pelos crimes de outros?

Na eutanásia, boa morte em grego, os argumentos a favor são de que a prática evita dor e sofrimento de enfermos que já não têm qualidade de vida. Os contras reúnem, além da posição religiosa, aspectos da ética médica e princípios legais. O teor dessa discussão gira em torno de um contexto social. O que é mais civilizado? A compaixão a um indivíduo ou a garantia coletiva de ordem social baseada em um denominador moral?

E o aborto? De um lado, o direito da mulher em relação ao seu corpo, a necessidade da concepção responsável para garantir proteção à infância e as mortes resultantes de complicações em procedimentos ilícitos. De outro, uma ecografia de doze semanas de gestação em que já se pode ver um ser humano formado, com braços e pernas, mãos e pés, com vontade própria, que abre e fecha a boca e dá até cambalhotas.

Escolhe, pois, qual vida? A de quem tira a de outros? A do que vegeta porque a medicina avançou ao ponto de máquinas conservarem pulsando o coração que já não é capaz de fazer isso? A do que está fadado a ser marginalizado, excluído, sem família, educação e saúde? Para quem está longe dos dogmas e próximo da capacidade de questionar-se, não há respostas simples. Nunca houve. Seja em 1988 ou 2008. Nem vai haver. Em 2028, quem viver ainda debaterá.

* Publicado no Diário Popular de Pelotas, 16 de fevereiro, e no Diário de Canoas, 18 de fevereiro de 2008.

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