domingo, 24 de fevereiro de 2008

Um ano com João Hélio

No dia sete de fevereiro de 2007, um assalto terminou com a morte de um menino de seis anos no Rio de Janeiro. No momento do ataque, ele estava com a mãe no carro. Ela não conseguia retirá-lo e o cinto do banco traseiro ainda o prendia quando um dos criminosos assumiu a direção e acelerou, arrastando o menino por sete quilômetros. A vítima era João Hélio Fernandes.

Há um ano essa crueldade chocava o país. Como de regra, seu primeiro efeito foi o clamor por um maior rigor das autoridades. Prender mais gente, aumentar penas, construir prisões. Soluções necessárias, porém paliativas.

De forma complementar, outros enfoques podem ser analisados. Criminalidade é uma reação a exclusões aceitas ou impostas. Violência é uma seqüela das desigualdades vigentes, sejam quais forem. “De um lado esse carnaval/De outro a fome total”, nas palavras de Gilberto Gil. Algumas dívidas históricas, outras recentes. Salário mínimo e mensalão, por exemplo.

Como lembraria a mãe de João Hélio em entrevista, ele estava feliz porque ia ter uma suíte própria, decorada com personagens do desenho animado Laboratório de Dexter. Já seus assassinos se pareciam com outros que lotam os presídios, forjados pela infância sem proteção, adolescência sem limites e vida sem perspectivas, que independe de classe social ou cor da pele.

Nenhum latrocínio se justifica por diferenças como as existentes entre João e seus algozes. Elas são apenas outras faces dessa barbárie. Se o fato de até um Laboratório de Dexter estar nas expectativas de João Hélio ou seus assassinos terem pouco a perder contribuiu para essa situação, não se pode descartar a hipótese de que o menino ainda estaria vivo se a realidade da suíte decorada fosse a de todos. Se não ela, pelo menos uma com proteção, limites e perspectivas adequadas.

A despeito disso, os jovens que mataram João ainda precisam ser punidos. No último dia 30 de janeiro, quatro acusados desse crime hediondo foram condenados em primeira instância, com penas entre 39 e 45 anos de reclusão. O quinto participante é menor de idade e cumpre desde março internação de três anos, o máximo permitido. No século XIII, São Tomás de Aquino já afirmava em sua Suma Teológica que “justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido”. É o que se esperaria, em qualquer sentido, após um ano com João Hélio em nossas consciências.

* Publicado em O Globo Online, 07 de fevereiro, e na Gazeta do Sul, 09 de fevereiro de 2008.

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